Friday, June 17, 2016

there are wolves here abound*


[O teu velório tem sido público mas eu posso jurar que tu ainda não te sabes cadáver. Estou certa que vagueias pela noite à procura de outra imagem de ti, confuso por chegar sempre ao ponto de partida, vazio do constante rodopio. 
O corpo, imóvel, não espera nada, observa apenas a natureza imutável do teu medo de ser, de sentir. Sinto o movimento a nascer, o ombro num gesto imperceptível, contrário aos pés. A luz muda, o frio do rio lembra que é hora de voltar a casa e eu dou-me mais uns minutos, três, cinco, não mais que isso. Concedo, talvez um pouco mais, até que a humidade se cole na pele, até que mesmo de casaco vestido comece a tremer. 
Como posso não olhar? não tarda chegarão impecavelmente vestidos para juntar as flores, baixar a tampa, e tu deixarás de ser real. Quando me cruzar contigo sentirei o arrepio mas já não pertencerás a este mundo. Ficarás reduzido a essa sensação gelada de vazio. Não é triste que se tenha tornado tão previsível? Não é triste que se morra a cada tentativa? Já sinto os salpicos, estou quase a ir...]


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