Friday, May 30, 2014

E só com carícias se pode apagar 
um coração a arder



Adolfo Luxúria Canibal

Sunday, May 18, 2014

da mágoa

Thought I had a dream once
Don't remember what
Your voice cut straight through me
Right down to my bones
Like a winter's wind it
Knocked out my soul

Thought I had some time here
Left my watch at home
Thought I had ideas once
But they were all on loan 
Thought I conquered something
Then it took me down
What I thought I heard clearly
It wasn't sound
Thought I felt your heartbeat
It was just my counting


Angel Olsen [...]
os meus amigos não são aqueles para quem fui tudo até ao momento em que passei a ser nada, não são aqueles que me abandonaram quando deixei de lhes ser útil, os meus amigos não são aqueles com quem partilhei segredos e que, anos mais tarde, quando nos cruzamos por acaso, nem sei se hei-de cumprimentá-los.



José Luís Peixoto, Aquilo que os meus amigos esperam de mim, Visão nº 1103

Saturday, May 17, 2014

[Fazer o quê quando o amor, já morto, se transforma em arritmia e náusea sempre que vejo o fantasma?]

Canícula sem fim

O tempo alonga-se, lento, muito lento numa espera em que parece não ter fim. Imenso, seco, sem o ânimo de uma nuvem o horizonte dissipa-se movediço, sob a inclemência abrasadora do sol, não se vê vivalma. O pó que tenho entranhado nos poros mistura-se com o suor, engelhando-me a pele numa peganhenta camada de sujidade viscosa. Sorvo um pouco de água a tentar mitigar a sede que me corrói, e sinto amansar o ardimento dos lábios gretados pelo calor. Nos rostos duros que me rodeiam, de traços rigídos, e vincados, como se esculpidos em pedra, e dos olhares gélidos que me dirigem, percebo uma tensão crescente, mas ninguém quer dar parte fraca. Todos resistimos à aridez da demora na mais completa quietude, sem distrações, aproveitando as parcas sombras existentes para nos resguardarmos do lume solar. E continuamos a perscrutar permanentemente o horizonte à cata do ínfimo movimento, mas tirando o zumbido das moscas varejeiras, não se passa nada. É o tédio absoluto a cozer-nos em banho-maria, até à morte.



Adolfo Luxúria Canibal, Estilhaços Cinemáticos

Friday, May 16, 2014

Poesia como forma de colocar a afetividade em modo de pensamento e o pensamento em modo de afetividade. Como se sentir pudesse ser mansamente diminuído (ou aumentado) de forma a que não chegue ao grito, mas sim à sensata observação. Sentir para perceber melhor, não para gritar melhor.
Ironia, portanto, como modo de diminuir o disforme que há no grito e na excitação; dor e prazer transformados em verso que, dois metros acima desse solo que dói e tem prazer, diz: ali em baixo dói-me e tenho prazer, porém eu, aqui, enquanto verso, estou dois metros acima (pelo menos). Eis a ironia: o verso está a uma distância segura dessa vida sempre inseguríssima e por vezes parva - outras vezes excelentíssima, mas sempre incontrolável.



Gonçalo M. Tavares, Vasco Graça Moura, poesia, Visão nº 1106

Saturday, May 10, 2014

e, em lugar da ilusão de amor, silhuetas imprecisas, distantes.



António Lobo Antunes, Todos nós temos na vida uma ilusão mais querida, Visão nº 1105

Friday, May 09, 2014

Também eu quero tirar de vós o que guardais de mais primitivo, o gesto gratuito e ainda não contaminado. Eu quero escolhas guiadas pela inspiração do desejo, falhas de tino e de provento. Os testículos estão sempre lúcidos. Que o móbil não seja mais que bizarria grotesca, aveludada no pântano das possibilidades. No deitar das sortes reencontro a inocência e a espontaneidade dos jogos de infância, a virgem e o absoluto. 


Adolfo Luxúria Canibal

Wednesday, May 07, 2014

edição

Era tão bom se a pessoa pudesse editar a vida! Dizer assim: esta pessoa tscctsccc [gesto de tesoura], esta viagem tscc tscc. Poder ganhar três anos perdidos, ou os minutos gastos a ler livros que eram uma merda, ou a falar com pessoas que não interessam e que não estão interessadas em nós. Tenho 58 anos, mas, em tempo perdido, devo ter praí uns 25...

Miguel Esteves Cardoso, Visão nº 1104