Saturday, May 17, 2014

Canícula sem fim

O tempo alonga-se, lento, muito lento numa espera em que parece não ter fim. Imenso, seco, sem o ânimo de uma nuvem o horizonte dissipa-se movediço, sob a inclemência abrasadora do sol, não se vê vivalma. O pó que tenho entranhado nos poros mistura-se com o suor, engelhando-me a pele numa peganhenta camada de sujidade viscosa. Sorvo um pouco de água a tentar mitigar a sede que me corrói, e sinto amansar o ardimento dos lábios gretados pelo calor. Nos rostos duros que me rodeiam, de traços rigídos, e vincados, como se esculpidos em pedra, e dos olhares gélidos que me dirigem, percebo uma tensão crescente, mas ninguém quer dar parte fraca. Todos resistimos à aridez da demora na mais completa quietude, sem distrações, aproveitando as parcas sombras existentes para nos resguardarmos do lume solar. E continuamos a perscrutar permanentemente o horizonte à cata do ínfimo movimento, mas tirando o zumbido das moscas varejeiras, não se passa nada. É o tédio absoluto a cozer-nos em banho-maria, até à morte.



Adolfo Luxúria Canibal, Estilhaços Cinemáticos

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