Saturday, May 21, 2016

Deste conta que morreu?


Colei folhetos pelo bairro, julgam tê-la visto com outras pessoas, em jantaradas, na noite, mas a verdade é que não voltou a casa, não recebi telefonemas a dizer que a encontraram. 
Tenho adiado o funeral mas é talvez hora dos preparativos. Uma coisa simples, discreta. Afinal a ausência é tanta, o silêncio, já ninguém ficará surpreendido com o cadáver. Nem valerá a pena o epitáfio. Foi um nada, foi tão pouco memorável, parece ridículo gravar em granito "eterna saudade do que não chegou sequer a ser" ou "aqui jaz a credulidade de uma amizade". E de qualquer forma seria hipócrita dizer o quê sobre algo que "precisa de pretextos" para acontecer.
Talvez pudéssemos publicar o obituário para os mais distraídos nestes meses. Não mais que uma linha, uma mera formalidade: "comunicamos a extinção do que unia X a Y após ausência prolongada de interesse.". Pode ser publicada sem destaque, como sem destaque foi sempre. Sem cerimónias, como em vida.

2 comments:

  1. Aposto que as cinzas vão ficar numa urna, na sala.
    Pode ser que alguma gata parta a urna daqui a uns anos.

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    1. talvez...
      mas sabes, tenho a nítida sensação que me esqueço delas junto à janela e a brisa as vai espalhando sem que dê conta do fenómeno. já me aconteceu procurá-las e encontrar o recipiente quase vazio. jurar que as tinha posto ali e no fim resta muito pouco.
      (pode nao ter sido a brisa mas as meninas de olhos verdes, talvez não resistam a brincar com elas aos poucos.)

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