Colei folhetos pelo bairro, julgam tê-la visto com outras pessoas, em jantaradas, na noite, mas a verdade é que não voltou a casa, não recebi telefonemas a dizer que a encontraram.
Tenho adiado o funeral mas é talvez hora dos preparativos. Uma coisa simples, discreta. Afinal a ausência é tanta, o silêncio, já ninguém ficará surpreendido com o cadáver. Nem valerá a pena o epitáfio. Foi um nada, foi tão pouco memorável, parece ridículo gravar em granito "eterna saudade do que não chegou sequer a ser" ou "aqui jaz a credulidade de uma amizade". E de qualquer forma seria hipócrita dizer o quê sobre algo que "precisa de pretextos" para acontecer.
Talvez pudéssemos publicar o obituário para os mais distraídos nestes meses. Não mais que uma linha, uma mera formalidade: "comunicamos a extinção do que unia X a Y após ausência prolongada de interesse.". Pode ser publicada sem destaque, como sem destaque foi sempre. Sem cerimónias, como em vida.
Aposto que as cinzas vão ficar numa urna, na sala.
ReplyDeletePode ser que alguma gata parta a urna daqui a uns anos.
talvez...
Deletemas sabes, tenho a nítida sensação que me esqueço delas junto à janela e a brisa as vai espalhando sem que dê conta do fenómeno. já me aconteceu procurá-las e encontrar o recipiente quase vazio. jurar que as tinha posto ali e no fim resta muito pouco.
(pode nao ter sido a brisa mas as meninas de olhos verdes, talvez não resistam a brincar com elas aos poucos.)