Sunday, July 24, 2016

O Júlio Pomar disse-me sempre em alturas difíceis da minha vida
- Aguenta-te
que de facto é a única coisa que se pode dizer.
E eu tento aguentar, fingir que aguento quando sinto que me desmorono dentro de mim. Há sempre uma parede ou outra, ou um bocado de parede, que resiste e encosto-me a ela pensando
- Quando é que irá cair, quando é que irá cair?
Talvez caia, talvez não. E, se não cai, conseguiremos levantar tudo o resto? Ou uma parte do resto? Ou um resto do resto? Amanhar uma espécie de tecto? Ou sentar-me no chão, ao lado das pedras, sem olhar para elas? Sentir que me desmoronei também, me tornei uma ruína igualmente?
(...)
- Aguenta-te
comigo a tentar agrupar-me, juntar-me todo, defender-me, proteger o que sou, o que teima em existir de mim e não sei se me pertence ou está para ali como um velho retrato desfocado, do qual se não distinguem bem as feições. Torno-me uma pequenina coisa informe algures no meu corpo, torno-me um pingo de nada em silêncio, porém um silêncio que grita embora nem eu mesmo o oiça. Apercebo-me que grita apenas porque os meus ossos vibram, reduzidos a fios.


António Lobo Antunes, Visão nº 1220

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