Quando apagam a luz do quarto a noite deita-se em cima do meu corpo, de mistura com os passos no corredor que se transforma num espaço infinito de ecos e, às vezes, dos pezinhos da tristeza que, não sei como, chegou ao pé da cama e pode ser que me lamba uma das mãos, cortando-me, como uma faca, o medo pelo meio, eu tão sozinho, tão indefeso, tão frágil. Serei merecedor, quando for grande, de ter comigo o sol da manhã, o cheiro do pão quente, as lagartixas no quintal? Esta tristeza, assim mansa, permanecerá comigo? Deus, faz com que eu não cresça, não tires as lagartixas nem o sol da minha vida.
António Lobo Antunes, Crónica escrita por mim hoje às onze horas quando tive 6 anos, Visão nº 1090
No comments:
Post a Comment