Friday, December 25, 2015

[o tempo de um fósforo]

Um dia serás livro. 
Terás uma bela capa dura, macia, cantos arredondados pelo sorriso espontâneo. Talvez sejas de um vermelho escuro de sangue e paixão oxidados pelo tempo. Ou, quem sabe, de um clássico preto, intemporal, memória das noites longas em que me conquistavas o mundo e eu partilhava contigo o sabor a sonho e a maresia de al berto. 
Nas tuas folhas encontrarei entranhado o cheiro a tabaco e o aroma adocicado da tua pele que formava uma barreira, sou capaz de jurar, quase invisível junto à minha. O assombroso cheiro dessas noites quentes em que te mantinha acordado para poder gravar as cores dos teus olhos. 
Páginas marcadas de frases curtas, dissecadas até ao osso. Algumas nascidas do ácido que nos corrói a esperança e nos doem como as cutículas que arrancamos, lentamente, em jeito de auto-punição. Outras mais doces que surgem das melodias que são também tu. E pelo meio as fotografias dos dias luminosos onde a possibilidade crescia nas pontas dos nossos dedos sem que a travássemos. 
Serás um livro de acabamentos irrepreensivelmente perfeitos, no entanto, absolutamente inútil. O futuro não se faz de cadáveres.

S.

Wednesday, December 23, 2015

dado que o coração pingos, não batimentos, gotinhas


António Lobo Antunes, Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?

Monday, December 14, 2015




maybe if I send back the blues her broken heart
she will send back mine
a little at a time


Jason Molina

Sunday, December 06, 2015

You can't just go on like that, sitting with melancholy purring on your lap 
Just petting the gap between you and yourself 


Alex Keiling (*)


Tuesday, December 01, 2015

[Podia jurar que o grito contido se está a disseminar por todas as células deste corpo. A náusea, o frio constante. Tratei-o sempre tão mal e continuo a repetir o processo nessa vã inocência de acreditar. Alguém o devia proteger de mim. Pôr termo a este ciclo.]

Monday, November 30, 2015

vou ressuscitar-te, assim poderás contar-me em sussurro o que fomos.
eu poderei contar-te o que esqueci. esta canção quase perdida na casa do nosso passado.


Al Berto, Luminoso Afogado

note to self




Tuesday, October 06, 2015

da madrugada


No teu abraço suspende-se o mundo enquanto a insanidade avança para me engolir.

Thursday, July 30, 2015

He went soft. I stayed hard. That was that.


Eleanor Rigby, The Disappearance of Eleanor Rigby: Them

All I want is a chance to just talk it out. After that you can disappear to wherever it is you disappear to. 


Conor Ludlow, The Disappearance of Eleanor Rigby: Them

Monday, July 27, 2015

Pego na lâmina, estudo-lhe o gume. Pouso-a. Afasto-a... estico a mão, volto a tocar-lhe. Sinto-lhe a temperatura. Pondero as consequências do seu uso, afinal, não tenho muito a perder. Pouso-a. Não valerás a cicatriz. Duvido-me. Agarro-a novamente. Atiro-a para longe. Faço por ignorá-la, tento incendiar o silêncio. Repito. 
Amanhã, a puta, continuará brilhante, tentadora.

Sunday, July 26, 2015

b.

A violência da tristeza deu lugar à desilusão e ao silêncio. Um mês é nada na guerra civil dos meus dias. Não te consigo fazer o luto. Não te gastei suficientemente para te enterrar . No entanto, não te sinto as pulsações, a tua respiração é inaudível, o corpo clínico garante-me que a situação é irreversível. Esperei tanto quanto pude por uma recuperação surpreendente mas não há, sequer, uma resposta reflexa aos estímulos.
Ainda assim continuo a vaguear pela enfermaria, ouvindo o barulho ininterrupto das máquinas que teimam em lembrar-me que é hora de serem desligadas. Peço-me só mais um minuto, sempre só mais um minuto... mais um pouco para me despedir. Ambos sabemos que esse ruído será eterno. Está gravado fundo porque incompreensível.

Saturday, July 25, 2015

Mas seria sempre uma imagem, nunca a verdade. E esse foi provavelmente o grande erro: julgar que a verdade é captável de fora, com os olhos só, supor que existe uma verdade apreensível num instante e daí para diante tranquilamente imóvel, como nem uma mesmo a estátua o é, ela que se contrai e dilata à mercê da temperatura, que se corrói com o tempo e que modifica não só o espaço que a envolve como, subtilmente, a composição do chão onde assenta, pelas ínfimas partículas de mármore que vai soltando de si, como nós os cabelos, as aparas de unhas, a saliva e as palavras que dizemos.


José Saramago, Manual de Pintura e Caligrafia

Friday, July 24, 2015

porque todas as vidas são secretas, muitas vezes, mesmo para quem as vive.
(...) 
Mas é indubitável que a minha memória também se constrói dos outros e com os outros, os outros dão-nos mais existência, dão mais existência ao que nos acontece. O que existe só em nós está quase sempre condenado ao esquecimento. Ou à ilusão.


Dulce Maria Cardoso, Visão nº 1168

Thursday, July 23, 2015

hey you..."go on ahead and take this the wrong way"


do you still leave nothing 
but bones in the way?
did you bury the carnival
lions and all
excuse me while I sharpen my nails
and just who are you this time?
you look rather tired
(who drinks from your shoe)
are you pretending to love
well, I hear that it pays well
how do your pistol and your Bible and 
your sleeping pills go?
are you still jumping out of windows in expensive clothes?
well I fell in love 
with your sailor's mouth and your wounded eyes.
you better get down on the floor
don't you know this is war
tell me who are you this time?
tell me who are you this time?


Tom Waits

Wednesday, July 22, 2015

bebo para que as remotas cicatrizes doutros corpos não desatem a doer.


Al Berto

Monday, July 20, 2015

And if you think I am ruined
I'm not ruined, I am whole
I am fine, not even broken
Maybe soft spoken, maybe so
Although my bones, you may have shattered
It's only matter
It's not my soul
(...)
It doesn't matter, because I am whole


Bianca Casady [*]

Sunday, July 19, 2015

Andemos, meu amor,
de coração descalço sobre o sol


Mia Couto

Friday, July 10, 2015

05:38

O cansaço faz-me crer que a única alternativa é arrancar o pano verde, jogar fora as cartas e dedicar-me a um qualquer jogo de tabuleiro. O teu bluff já me custou demasiado. A cada partida a pele ganha novas cicatrizes e, francamente, vai perdendo a beleza.

Thursday, July 09, 2015

And your words chased round and round in my head
Last night
They chased their own tales
And your words jigged round my mind all night
To look at me now, I’m quiet as sound

And the tide shrinks back into its womb
And I hope the empty shells and bones of your stories
Will litter and clutter the shores
And I hope that when I find them
I’ll remember how they danced
And the racket they made
When they were alive


King Creosote [*]

Monday, June 29, 2015

undone


o sacana que me bate no peito parece só ter uma missão:

deixar-me de rastos a apanhar estilhaços, a remendar tudo de novo. até deixar de ser músculo capaz de suportar os batimentos.



[*]

(ao sacana devia arrancá-lo, lentamente, deixá-lo-ia a apodrecer. na melhor das hipóteses oferecê-lo para ser despedaçado pelas presas de um lobo... já chega de filha da putice.)
deviam chover lágrimas quando o coração pesa muito e há momentos, palavra de honra, não se compreende o motivo, mas pesa, sente-se dentro o

(ia escrever o incómodo e não incómodo conforme não tristeza, não dor, como traduzir isto, não sei)

Deviam chover lágrimas quando o coração pesa muito e há momentos palavra de honra que pesa

(para já fica assim)…



António Lobo Antunes

Sunday, June 28, 2015

Sunday, June 07, 2015

amanhecer com vontade de gritar ao universo: "vai-te foder que eu estou farta das tuas (falsas) partidas".


[https://www.youtube.com/watch?v=8UW0juuX6Ao]

Sunday, April 19, 2015

que horas serão dentro do meu corpo? que mineral vermelho jorraria se golpeasse uma veia?


Al Berto,  O Medo

Sunday, March 15, 2015

thanks again mr. L

You don't love me, what's to love anyway?
You don't love me, would love be my saving grace?
You don't love me, ah ah ah

It's delirium, it's a childlike dream then it fades away
It's illusion, would love put me in my place?
The illusion, ah
The delirium, ah
The delusion, ah
Oh yeah yeah, I'm going nowhere
Now I'm going nowhere

You don't love me, what's to love anyway?
You don't love me, would love be my saving grace?
You don't love me, ah ah ah

Now I'm going nowhere
Oh yeah yeah yeah, I'm going nowhere
Oh yeah yeah yeah, I'm going nowhere
Oh yeah yeah yeah, with my torn red heart
With my torn red heart
With my torn red heart
With my torn red heart
With my torn red heart

Mark Lanegan [*]

Thursday, March 12, 2015

Tom's blues

uma alegria com a tristeza mal dissolvida no fundo, percebia-se um restinho idêntico a esse pó dos remédios na base do copo que por muito que se mexa com a colher continua


António Lobo Antunes, O Arquipélago da Insónia

Tuesday, March 10, 2015

borboletas numa caixa de sapatos em que eu abria furos para que respirassem
(não se calcula a quantidade de oxigénio que as borboletas requerem)
os grandes cães silenciosos que nos perseguem nos sonhos e ao saltarem para nos morder acordamos, pensa-se
- Sonhei
e no entanto um resto de saliva deles no pijama



António Lobo Antunes, O Arquipélago da Insónia

Monday, February 23, 2015




Some days I don't give a fuck
and some days I care much too much
Then my mind gets in a rush
and I can't shut it off

I'm an open receiver

Some days I'm out of luck
and sometimes I get way out of touch
Every now and then I wanna give up
because I'm spinning

One day when I rise above
I'll be a believer

I'll be a believer

Hugo Race

Monday, February 09, 2015

here shall we live in this terrible town
where the price for our eyes shall squeeze them tight like a fist
and the walls shall have eyes 
and the doors shall have ears
but we'll dance in the dark 
and they'll play with our lives

like a slow burn leading us on and on and on
like a slow burn turning us round and round and round
but who are we? So small in times such as these
slow burn, slow burn


David Bowie (*)

Sunday, January 04, 2015


you can test me all you want
I ain't changin'
and you can taunt me all you like
but I ain't sayin'

you can push me all you dare
I ain't movin'
and you can please me all you need
but I ain't decidin'


Micah P. Hinson (*)